Há mais de 45 mil anos, os primatas que habitavam a
Terra eram nômades, caminhando constantemente em
busca de alimentos
Desde que o Homo sapiens sapiens deixou de ser nômade para se fixar em locais apropriados, cavernas no inverno e cabanas, no verão , o ser humano começou a desenvolver uma característica especial que faz parte de seu DNA: construir abrigos para se sentir bem nessas circunstâncias.
Essa busca pelo espaço ideal não é frescura, nem supérflua. É biológica e faz parte do desenvolvimento da cultura humana. Talvez seja um dos fatores principais para o estabelecimento de outras ordens criadas ao longo da história, como viver em comunidade, casar-se, aceitar um Estado de direito, entre outras.
Por muito tempo, o homem dedicou-se a organizar esse espaço da melhor maneira que entendia, pois a noção deste partia de si mesmo e da natureza ao redor, conforme o local, a região e as circunstâncias.
Milhares de anos se passaram, e entendemos que habitar bem é uma questão de qualidade de vida e de sobrevivên-cia. Podemos melhorar e prolongar nossa vida neste planeta à medida que melhoramos nosso habitat.
Principalmente a partir da metade do século XX, aprendemos que não é apenas o corpo que merece des-canso, mas também nosso cérebro e nossos sentimentos. Ter um bom espaço para viver é saber que estamos aproveitando o tempo que temos de vida o tempo de vida que dedicamos no ambiente de trabalho, nos ambientes públicos, em casa e no ambiente de descanso.
Portanto, até os primatas sabiam que o descanso em um lugar seguro era o fator principal para “recuperar as energias” e enfrentar um novo dia.
Depois de todo esse tempo e, principalmente, pela com-plexidade do nosso cotidiano, propiciar essa qualidade aos ambientes não é tarefa fácil. Escolher o ambiente adequado já é o primeiro obstáculo, pois soma-se o valor financeiro en-volvido no investimento.
Geralmente, temos de escolher um ambiente que nos atenda hoje e por vários anos à frente, razão pela qual deve-mos conhecer o mínimo desse futuro. Por isso é que surgem profissionais preparados para essa tarefa: arquitetos e designers de interiores.
Alguns exemplos nos ajudam a entender isso. Quinze anos atrás, não havia internet. Muitos compraram seus lares sem imaginar ter em casa uma conexão para a rede mundial. Outros adquiriam seus imóveis há oito anos sem essa conexão só que, naquele momento, já se previa que hoje seria impossível viver sem e-mail e Web.
Aqueles que não programaram seus lares para essa situação os estão reformando para adaptá-los, ou, que é pior, por falta de visão e planejamento, estão sem orça-mento familiar e apenas instalando os equipamentos de forma rudimentar, com fios soltos e mal fixados, o que faz perder toda a qualidade de vida que mencionamos ser necessária para nossa sobrevivência.
O mesmo aconteceu com a televisão a cabo, e, atualmente, acontece com a transmissão de televisão digital. Agora, junte tudo e tente passar todos esses fios pelo mesmo conduíte fino do telefone. Impossível!
A princípio, arquitetos e designers parecem ser um “gasto” a mais. Isso ocorre por vários motivos. Um deles é a carga histórico-cultural que temos, de nós mesmos adaptarmos o espaço a partir de nós mas isso seria pensar como primatas.
Outro fator é que também nos faz bem decorar nosso ambiente. “Se buscamos o prazer, então, vamos decorá-los nós mesmos!”. O problema é que, quando erramos, o prazer fica apenas no momento da compra, e o desgosto perdurará por todo o tempo do uso.
Um bom profissional sabe disso. Hoje, qualquer ação é, no mínimo, multidisciplinar. O profissional não trabalha sozinho: trabalhará com o cliente.
É como se os pais quisessem decorar o quarto para o adolescente sem a participação dele. Não há como. Ele escolhe seus amigos, sua roupa e saberá escolher seu ambiente. Sozinho? Não, com a orientação de um profissional e a participação de todos na família. Dessa forma, todos os moradores se unem em torno de um ideal: a sobrevivência do grupo, que, por muitos momentos, será também prazerosa.
Imagine o tempo de sua vida que você dedica para si e pa-ra estar com a família e os amigos. Provavelmente, pouco. Muitas das horas que passamos em casa são dedicadas à higiene e ao descanso. Você dorme em média oito horas por dia, e muitos se esquecem de que passam oito horas no mesmo ambiente, dormindo. Deixam a decoração do quarto para depois; outros, para nunca.
Iluminação natural e artificial, ventilação, temperatura ambiente, quantidade de ruído, as cores das paredes, os materiais escolhidos, enfim, tudo pode interferir numa boa noite de sono. Você não percebe, pois está dormindo. Só no dia seguinte seu corpo reclama.
Essas escolhas não devem ser feitas por gosto. São escolhas técnicas. Os profissionais da área devem estar preparados para fazer essa seleção da maneira mais adequada a cada indivíduo.
Em um futuro breve, novas tecnologias conviverão conosco, muitas das quais já estão à disposição.
Por desconhecimento, temos equipamentos que não aproveitamos em toda a sua potencialidade.
A utilização das novas tecnologias não é um luxo material, é um luxo para a alma, é o que nos anima. Ouvir uma boa música, coerente com a iluminação, ou ver um bom filme sem ter de sentar de lado, ou até mesmo reconhecer qua-lidades programadas serão tecnologias que estarão em nossos ambientes.
Esses equipamentos tendem a nos permitir explorar ao má-ximo o pouco tempo que temos, a fim de aproveitar nossa vida da forma que acharmos mais conveniente. Logica-mente, no tempo em que o homem vivia da luz natural, as cortinas e janelas não tinham a mesma função de hoje, quando nos permitem adequar a luz ao nosso interesse.
De algumas situações, já temos informação. Falta-nos a consciência necessária para que todos possamos nos envolver a fim de que o futuro seja melhor que o previsto. A falta de água e energia nos obrigará a rever, de forma drástica nossos ambientes e a maneira pela qual os habitamos.
A escolha de cada item de nossas moradias deverá passar por esse filtro, da fábrica, passando pela loja e pelo profissional e chegando ao consumidor. Deverão ser escolhas conscientes, pensando nesse futuro. Para isso, é importante saber a procedência da matéria-prima, saber como será o descarte, a durabilidade do material, etc.
Pense bastante antes de adquirir. Em breve, você terá vergonha de ostentar objetos e produtos que não sejam coerentes com esses conceitos. Sustentabilidade é pensar que fizemos todo o possível para contribuir para um futuro melhor para nossos filhos.
Aquele primata que se fixou e criou o conceito de habitar diferenciou-se dos demais por saber que transmitir informação de geração em geração é importante para o progresso, que é o que nos diferencia dos animais e nos faz sobreviver.
Artigo publicado originalmente em Jovens Profissionais: Design de interiores, 2008
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