quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Slow Design entrevista ao POrtal IG


















A reboque de um movimento mundial em busca de maior qualidade de vida e em contraponto ao conceito de “Tempo é dinheiro”, nasceu o Slow Design, que propõe que se repense a concepção do tempo, mais lento que o tempo da máquina, e o como o “gastamos” ao longo da vida. Para entender melhor essa nova forma de ver o mundo, bati um papo com o especialista no assunto, Alvaro Guillermo, consultor do Mais Grupo, vem escrevendo sobre isso faz tempo. Confira:
Como começou o movimento do slow? Começou com o slow food?
Guillermo – Sim, o movimento Slow foi uma reação que se iniciou com a chegada das redes de fast food a Europa, especialmente a Itália na década de 80. Desta forma, o Slow Food é o mais representativo e atuante, mas não exclusivo. De alguma maneira, naquele momento o fast food na Europa conseguiu atrair a atenção para fazer refletir sobre a velocidade que o século XX impôs. Na locomoção e em outras áreas a velocidade da máquina superando o homem não trouxe uma reação negativa tão grande quanto a que ocorreu na alimentação.


E como o conceito evoluiu?
Guillermo – Na década seguinte 90, a popularização da tecnologia digital, primeiro nos relógios, (de pulso e em máquinas- microondas etc) impregnou no cotidiano um ritmo muito superior. Como tudo que é cultural, leva um tempo para as pessoas perceberem e terem noção do significado de mudanças. Acho que a longevidade também possibilitou que pessoas, hoje acima de 50, ainda vivas e ativas, pudessem contar histórias sobre suas infâncias. Desta maneira é possível fazer comparações e avaliar se isto é melhor ou não para nossas vidas.
Este fato não ocorreu 150 anos atrás, quando da inserção da máquina na sociedade, ou seja, na sociedade industrial. A geração que não viveu com máquinas não foi maioria, nem viveu o suficiente para vencer o seu conceito, assim a máquina se inseriu rapidamente na sociedade e encontrou respaldo nos jovens e nas novidades. A máquina foi potencializada pelas guerras mundiais e pelo consumo desenfreado do pós guerra. Hoje a sociedade ainda não tem noção do significado desta mudança, mas começa a sentir desgastes e aos poucos encontra pontos em comum. E este ponto comum é a percepção do tempo e a noção do que fazemos durante este tempo de vida.
O que significa exatamente o slow design?
Guillermo – O Slow Design está em objetos e ambientes que permitem perceber que o tempo é mais lento do que o tempo da máquina, principalmente perceber o tempo.
Quando passamos por objetos e em ambientes que mal percebemos e admiramos, o fazemos no ritmo de velocidade da sociedade contemporânea baseada na máquina.
Quando percebemos estes ambientes ou objetos, só os percebemos quando diminuímos o ritmo, não precisamos parar, mas para haver percepção há necessidade de um ritmo mais lento.
Se isto estiver aí propositalmente, com uma intenção ou um desígnio, então há design. Este design que nos permite perceber objetos e ambientes no tempo certo são coerentes com o movimento Slow.
Se percebemos o tempo: então percebemos nossas vidas, e isso nos faz refletir.
Qual o ritmo de vida que queremos e como queremos viver nossa vida?
Qualquer reflexão se faz num ritmo mais lento que a máquina, pois a reflexão é individual, então é o tempo de cada um. O tempo humano, que é diferente em cada um de nós. Por isso é importante, pois tem a ver com cada um de nós. O tempo da máquina é igual para todos.
Nós somos seres singulares com percepções diferentes, e objetos e ambientes devem contribuir para esta percepção.
Outra visão é a da qualificação: no lugar de comprar cinco itens, o consumidor prefere um de excelente qualidade. Isso também é considerado Slow Design?
Guillermo – Não exatamente assim. Não importa só a quantidade, pode ser um único objeto, mas se este não for usufruído, e não trouxer esta importância, então tampouco cabe. Tem a ver com comprar sim, pois quando compramos estamos importamos um objeto até nós ( M.S. Cortella), tornando-o assim importante.
No ato da compra ou da obtenção do ambiente é que deve haver um conceito Slow. Uma compra rápida, por impulso, é uma compra sem reflexão, por tanto não tiramos o tempo certo para a decisão desta aquisição. Durante esta reflexão, o tempo de vida do objeto deve ser levada em conta, e esta reflexão dará ao objeto outro valor, que é diferente de preço e poderá surpreender, tanto vendedor quanto comprador. Objetos em que se percebe a mão do homem, que carregam consigo a noção do tempo que levou para ser feito e apresentado tendem a ter maior valor para os que buscam estes conceitos.
Como aplicar esse conceito na vida, no dia a dia, no trabalho?
Guillermo – As pessoas devem perceber que existem trabalhos e tarefas que podem ser executados por máquinas, e que podem substituir o homem.
Estas tarefas tendem a gerar ao executor a impressão de que ele é parte da máquina ( C. Chaplin em tempos modernos) e em geral a intervenção do homem parece “atrapalhar” aquilo que a máquina faria melhor sem sua influência. As pessoas precisam desempenhar tarefas que lhes demonstrem que sua passagem naquele momento de vida foi importante para todos os envolvidos. A melhor maneira de descobrir é na hora de acordar. Se tiver mais vontade de ficar na cama do que levantar para ir para a empresa, se faz necessário uma reflexão sobre seu cotidiano.
Muitas coisas podem contribuir para que as pessoas percebam que estão em ambientes onde o ser humano e o tempo de cada um é importante. Sempre lembrando que há profissionais adequados a gerar estes ambientes (arquitetos e designers de interiores).
Mas, posso dar algumas dicas:
Colocar plantas que tenham frutos, ou seja que mostrem o tempo natural.
Ambientes que vasos de flores são trocados sempre, e parece que as flores são de plásticos não contribuem para esta percepção.
Evitar espaços universais que para saber com quem está se falando há necessidade de ler a plaquinha com o nome na mesa.
Tentar criar um tempo de alimentação mais coerente com cada um e com objetos adequados a esta alimentação.
Espaços para conversas e leituras também contribuem.



As pessoas vivem falando que “não têm tempo”. Como falar de slow num mundo fast, como o nosso?
Guillermo – Exatamente por isso, todo mundo está falando a mesma coisa: Não Tenho Tempo para Nada! Como não? Todos temos o mesmo tempo. Então o que estamos fazendo é ajudar a entender porque as pessoas se sentem assim.
No meu caso, não estou aconselhando as pessoas a levarem uma vida Slow, estou dizendo que é possível em alguns momentos de nosso dia perceber que valeu a pena ter vivido. Geralmente quando chegamos em casa. Nossa casa se tornou o lugar da oxigenação, onde recuperamos energias para seguir num mundo fast.
O problema é que a maioria traz este mundo de velocidade, com alta tecnologia, com muita tecnologia de comunicação. Somos uma das sociedades com maior número de celulares e televisores por pessoas do mundo. Vivemos em ambientes mal projetados, com dimensões inadequadas, com poucas áreas verdes. A maioria das casas são similares entre si, assim como nas empresas que repetem as salas e as mesas, nossas casas são assim repetem as casa e as salas dos outros. É importante a valorização do lar, como reconhecimento da alma dos seus habitantes. Alma em latim é anima, é este percepção de que existe algo meu nesse momento e nesse lugar que nos anima a viver.
Qual a relação do slow design com a sustentabilidade?
Guillermo – Esta relação se dá pelo fato que a sustentabilidade é a possibilidade de que nós como seres humanos continuemos a existir num futuro.
Se o que fazemos não nos remete a isto, o fato se torna insustentável. Viver nesta velocidade não é sustentável, pois não vemos de forma viável uma vida melhor no futuro.
Esta relação entre o tempo do nosso agora e do futuro passa necessariamente por uma reflexão do tempo de cada um.
Que empresas e marcas já praticam o slow design, e de que maneira?
Guillermo – Existem empresas que praticam estes conceitos sem necessariamente saber do movimento Slow. Muitas optaram por mudar seus hábitos para favorecer as relações humanas.
Mas existem empresas que buscam desenvolver produtos que sejam melhores para o ser humano, que tragam estes valores, principalmente aqueles que demonstram a existência do tempo. Eu poderia citar a Segatto, de móveis planejados de alto padrão.
A empresa utiliza revestimentos em algumas portas que levam muito tempo para atingirem o grau de qualidade desejado.
Muitas vezes no tempo de fabricação de uma única porta revestida em couro, leva o tempo que uma fábrica fast consegue produzir todo o armário.
Mas o resultado final é perceptível, o processo não.
Ou seja, pessoas que se enfrentam a estes produtos logo colocam a mão sobre eles, como se o objeto a estivesse convidando a este toque mais demorado, enquanto que em produtos fast o olhar rápido faz a função.
Existem muitas lojas, spas, restaurantes, é facil perceber que quando entramos nestes ambientes desaceleramos.
Todas as culturas que precisam do tempo certo também fazem isto. Principalmente a do vinho.
Quando se começa a apreciar vinhos é notável como o usuário vai adquirindo experiência para saborear com mais tempo os melhores produtos. Aos poucos nosso paladar nos dá a noção do tempo e consequentemente seu valor. Por isso que as palavras sabor e saber tem a mesma origem. Sabedoria tem a ver com o conhecimento do tempo e o tempo do conhecimento.

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