Design como sonho de consumo. A experiência da Milão Design Week 2009
Da crise a um futuro melhor
Visitar Milão durante a Semana de Design (I Saloni, Zona Tortona, as lojas e mostras entre outras coisas mais) é sempre bom, mesmo em tempos de “crise” mundial. Até porque a compreensão e dimensão dessa crise ainda são muito confusas. Dependendo do segmento ou do país, a avaliação muda totalmente.
Já houve momentos em que o mundo esteve com a economia a todo vapor, e o Brasil em crise. Mesmo assim, nossos empresários e profissionais do design se desdobraram para estar presentes, porque essa Semana serve como um termômetro de negócios. Neste ano, foram 280 mil visitantes de todo o mundo, com destaque para a Rússia, Alemanha e França.
De início, percebemos que as pessoas se sentiam melhor próximas dos locais dos eventos de design. Era possível, a todo o momento, vê-las sorrindo e felizes.
O design tem como característica nos fazer sentir bem. O bom design melhora a vida das pessoas no dia a dia, na utilização e fruição dos objetos. Muitas vezes, por funcionar bem, passa despercebido e não nos incomoda. Só esse fato é uma forma de bem-estar. Na escolha dos materiais, na vida útil, fabricação e descarte dos produtos também pode haver uma melhora da nossa qualidade de vida.
No entanto, de forma imperceptível, o design nos ajuda a pensar o futuro, mesmo quando não adquirimos esses objetos. O simples fato de parar frente a um bom objeto, bem-desenhado, nos estimula a ver o futuro. Quando desejamos um objeto, desejamos todos os conceitos que ele carrega. Quando desejamos uma bela espreguiçadeira para a varanda, desejamos também o tempo de descansar, a varanda com a maravilhosa vista da praia e assim por diante.
Os objetos que nos permitem pensar na melhoria da qualidade de vida, no bom humor, nas relações entre as pessoas, na utilização de materiais ecologicamente corretos nos possibilitam também ver um futuro melhor, mais humano e mais saudável. Assim, pensamos que o futuro poderá ser melhor que o hoje.
Dessa forma, a Semana de Design de Milão é um incentivo para acreditar que o mundo vai melhorar e que, consequentemente, os negócios também. É um incentivo que nos faz crer que é possível ser criativo e inovador, que é possível ser feliz. Isso vem ao encontro do que Peter Senge* apresenta como conceito de criar coletivamente um mundo sustentável: precisamos aprender a visualizar o mundo que queremos viver no futuro, e aqui design é uma disciplina fundamental.
A participação brasileira
Outro ponto importante foi verificar a quantidade de visitantes brasileiros, seguramente uma das maiores delegações. Empresários, fabricantes, lojistas e muitos profissionais – arquitetos e designers. Isso é o resultado do ano de 2008, já que muitos adquiriram as passagens antes de a crise chegar ao Brasil.
Tempos atrás, quando poucos visitávamos a feira, era possível "copiar mais". Agora que o conhecimento se difunde, é necessária uma concentração maior de todos na busca de soluções singulares e apropriadas ao nosso país. O Brasil pode deixar de ser um país de cópia, como já acontece com os destaques alcançados por Sérgio Rodrigues, pelos irmãos Campana e tantos outros produtos brasileiros que são cobiçados lá fora.
Cabe destacar que a bandeira brasileira era vendida na La Rinascente como produto de consumo e, segundo os vendedores da loja, era, com a americana, a mais vendida – por ocasião da recente eleição do presidente Obama. "Os caras" ajudam a vender a imagem do País.
As ações de marca
A Semana de Design ainda não tem o tumulto da Semana da Moda, mas já atrai uma quantidade de pessoas alheias ao mundo do design, o que, por momentos, deixa impraticável circular pelas lojas. Cada vez mais, o mundo do design como “sonho de consumo” se aproxima do mundo do entretenimento e do lazer. As pessoas saem para ver novos objetos e para se divertir. Certamente, isso não ocorre nos congressos e feiras de outras áreas.
Empresas se associam em busca de inovação em momentos de crise. Ações de co-branding deram um show de cases, principalmente nos dois segmentos que a cidade de Milão melhor representa: Moda e Design. A equipe de criação da Diesel (fotos 4 e 8) atuou com a Moroso e com a Foscarini para o lançamento de produtos focados no DNA da marca, no seu público-alvo e no rock. Não era difícil caminhar pelo quadrilátero da Moda e Design e encontrar uma loja de moda com um lançamento de design na vitrine preparado especialmente para a Semana do Design e com eventos paralelos, como coquetéis e performances. Isso demonstra que o conceito é de colaboração, e não de competição.
Independentemente do lançamentos de novos produtos, as marcas fortes fizeram ações de marca claras e bem-sucedidas. A Kartell (foto 2) marcou seus 60 anos de vida com um belo estande no tema “What a wonderful world”, mostrando seu produto no mundo globalizado e inserido nas culturas locais – e exibiu a qualidade tecnológica que atingiu no mobiliário, lançando também um calçado bailarina, o Glue Cinderela by Norma Luisa, de plástico em injeção em duas cores. Com bom humor e elegância, apresentou a imagem das princesas contemporâneas.
A Edra confiou no aquecimento do mercado de última hora e lançou quatro novos produtos em apenas seis meses: um armário, que segue a linha Brasília; um espelho; um novo sofá; e o armário “segreto” dos irmãos Campana, em que conceito e estética seguem a linha de trabalho dos designers.
A Moroso se apresentou num estande criado por Patrícia Urquiola e chamou a atenção com a nova tecnologia no sofá de Yoshioka Paper Cloud, que brinca com a imaginação humana sobre as nuvens e com imagens digitais impressas sobre tecido da equipe Front, que cria ilusões com o resultado formal distorcido pela imagem impressa no trabalho Moment, tanto num sofá quanto no tapete.
A Front Design é uma equipe de jovens mulheres da Suécia e foi um dos destaques gerais da Semana de Design. Além desse trabalho, vale a pena destacar o vaso aparentemente distorcido pelo vento para a Mooi. A equipe trabalha o conceito de aparências, em que as coisas nem sempre são exatamente o que parecem, fazendo estudos de formas, cores e tecidos: supersofisticados e de alta tecnologia. Outro bom exemplo de ações conjuntas foi o sofá modular de Ron Arad para a Moroso e o tapete para a Nanimarquina, melhor juntos que separados.
Os conceitos
Um papel importante das marcas e designers presentes é aproveitar a ocasião para fazer uma apresentação de conceitos. Esses objetos conceituais são mais importantes do que aqueles que se inserem no mercado rapidamente.
O papel deles não é ocupar uma demanda de mercado, mas propor uma nova demanda ou verificar reações frente a novos conceitos e, às vezes, novos paradigmas. Muitas vezes, a apresentação conceitual está além da compreensão popular, o que acarretará demora para sua inserção no mercado. Em outras, há uma compreensão popular de suas necessidades no mercado, mas não há cultura suficiente para a inserção do mesmo, que é mais ou menos o que acontece com os produtos ecologicamente corretos.
Como exemplo de reflexão conceitual, podemos citar os armários e contenedores. Há uma clara e necessária discussão sobre o papel deles no nosso cotidiano. São objetos que armazenam coisas que precisamos esconder – proposta Segreto dos Campana –, ou para guardar coisas que queremos mostrar e proteger – proposta Philippe Starck Ghost Buster para a Kartell? São grandes armários que poderiam desaparecer (como a cozinha de vidro 100% reciclável da Valcucine), para refletir outros objetos (Campana), ou para colocar as coisas no lugar certo (como tantos com compartimentos superdetalhados)? Independentemente do resultado formal, principalmente os objetos dos Campana e de Philippe Starck servem para nos fazer pensar.
A reflexão também se estabeleceu no uso interno e externo de alguns objetos. Philippe Starck lançou a linha OUT-IN para a Driade com a mesma estética com que já trabalhara a “Oscar Bom”, mas com novos materiais, construída em polietileno e alumínio anodizado, que permitem uso externo a essa nova cadeira. O encosto alto protege o usuário do vento de climas mais frescos.
A Extremis, da Bélgica, sempre preocupada com materiais ecologicamente corretos, também lançou um novo mobiliário componível KOSMOS, que permite o uso nos dois ambientes. No mundo do luxo, das grandes varandas e de iates, esses ambientes externo-internos são únicos.
Da mesma forma, a reflexão sobre a fabricação de produtos com alta tecnologia ou executados com mãos altamente qualificadas reacende o mercado.
Ambos envolvem questões sociais de empregabilidade e educação. De um lado, vimos esta discussão de utilização de alta tecnologia na Euroluce, representada pela Artemide, Flos e Foscarini; do outro lado, a mão de obra nas costuras dos produtos da Poltrona Frau, Vitra e Capellini, e que podemos exemplificar no trabalho de Paola Lenti, que faz de sua produção um manifesto à utilização da mão humana – este ano, num espaço privilegiado no térreo do belíssimo hotel Palacio delle Stelinne.
1 Peter Senge, The Necessary Revolution, Ed. Doubleday, 2008. Professor e pesquisador do MIT- USA.
Artigo originalmente publicado em Jovens Profissionais: os melhores do design de ambientes 2009
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