Já teve o prazer de tomar um bom vinho?
Esta experiência pressupõe um percurso estimulante dos sentidos, que propõe olhar a garrafa, o rótulo, as taças, a cor da marca do vinho na rolha, a cor do vinho e perceber sua densidade e opacidade. Depois sentir o aroma intensamente, aproximando as narinas da bebida para não sofrer interferências. Depois para degustar utilizamos o tato através da nossa língua exercendo um verdadeiro banho de nossa boca. E conseqüentemente o paladar que nos permite concluir este percurso dando-nos como resposta o gosto. Gosto não se discute por que é resultado deste processo individual que envolve nossos sentidos. Ah! Sim, caso não tenhamos percebido os sons envolvidos neste processo, como o sacar da rolha, ou o verter do líquido, ou o estalar da língua, criamos o famoso Tchin Tchin, para, com isto, garantir a utilização de todos os sentidos.
O mais importante não é o vinho, é perceber que o prazer se atinge através de um singular percurso pelos nossos sentidos, e que o resultado será único e depende de cada pessoa.
Se para perceber o gosto de um bom vinho e sentir prazer é preciso todo este estímulo dos sentidos, por que eliminar estes estímulos quando pensamos o design de ambientes?
De certa forma entendemos a importância dos sentidos na nossa vida, são eles que potencializam situações para que possamos perceber o mundo ao nosso redor de uma forma muito singular e única, estes contribuem para que nossa identidade possa ser formada diferente aos outros.
Temos uma forma única de explorar os sentidos ao longo da vida permitindo-nos obter experiências que ajudarão a contar nossa história.
Também é evidente que dependendo do ambiente nos permitimos aflorar e reprimir estes sentidos, e na medida que nos acostumamos com situações corriqueiras, esquecemos da função destes na nossa vida, e quanto menos os utilizamos, menos graça terá viver.
É fácil perceber isto, quando nos deslocamos das grandes cidades com o ar poluído, para ambientes naturais preservados. O primeiro que fazemos é olhar bem o entorno e respirar fundo. O olfato que evitamos utilizar na cidade passa a ter um papel fundamental no encontro com a Natureza.
Na hora de projetar e planejar ambientes, e objetos para os ambientes, devemos lembrar que o foco é o ser humano e que todos os sentidos devem ser levados em consideração, quase como um dever, na medida que, quanto mais atendemos e incentivamos a exploração de todos os sentidos nestes projetos, mais pessoas estaremos atingindo e permitiremos a todas experiências singulares, profundas e contempladoras. É permitir viver o prazer nos ambientes.
Não existe um roteiro para isto, pois cada caso é um caso, e cada pessoa desenvolve uma maneira particular, o que podemos fazer é entender como se dá este processo de percepção através dos sentidos na grande maioria das pessoas e descobrir como explorar isto nos ambientes.
De certa maneira a Visãoé o sentido com maior força neste processo, ela nos move literalmente. Quando estamos às escuras, principalmente quando ambientes iluminados de repente ficam escuros as pessoas param. Na escuridão nos sentimos imóveis, não temos reações rápidas de locomoção na escuridão. Ambientes escuros são próprios para limitar a locomoção, quanto mais escuros mais lento o movimento humano. Quando nestes ambientes apresentamos um foco de luz as pessoas se deslocarão nessa direção. Por isto as saídas de emergência devem ser iluminadas. Se ficamos no escuro por muito tempo ficamos impacientes, pois a mobilidade é própria da cultura humana. Motivo pelo qual demos nomes a momentos históricos que reconhecemos o desenvolvimento do conhecimento, a idade das trevas foi o momento onde parecia que a humanidade parou no tempo, e o iluminismo, ao momento onde a humanidade pareceu caminhar com novas idéias.
Como a visão inicia nossa caminhada e toma conta de grande parte do processo a utilizamos com maior freqüência, por ser mais explorada nos gera um grande cansaço visual. Tentamos resolver tudo com a visão. A começar pela própria apresentação dos projetos, onde há um bombardeio visual de idéias, e pouco exploramos os outros sentidos. Geralmente não apresentamos projetos iniciando com aromas ou degustações para explicar o conceito, iniciamos com imagens.
O mesmo acontece no ambiente físico, por exemplo, quando nos enfrentamos com ambientes com muitas cores e luzes, ficaremos em dúvida o roteiro a traçar, e este momento de dúvida nos faz parar de novo. O equilíbrio e a concatenação de ações entre todos os sentidos é fundamental para o resultado final que propiciará o gosto.
A boa exploração da visão permite estimular o ser humano a “enxergar” o que não está presente, nos permite estabelecer novas perspectivas e “ver” o futuro. É uma ação biológica que vem desde que deixamos de ser primatas, que andavam abaixados com olhar para baixo, foi quando se ergueu em duas pernas e olhou por cima da pastagem e enxergou o horizonte que começou a desenvolver o lado sapiens. Entendeu que perspectiva tinha relação com distância e futuro.
Após a visão a audiçãocontribui para acentuar a emoção, acertar ou mudar o movimento adotado pela visão. Com a visão conseguimos precisar melhor o ambiente em que estamos, atentamos aos detalhes.
A audição consegue nos emocionar mais, por vários motivos dentre os quais talvez o mais efetivo seja que não conseguimos fechar os ouvidos com a mesma agilidade que fechamos os olhos. O som e música nos ambientes nos tocam mais no emocional e conforme esta percepção podem nos fazer mudar o caminho adotado pela visão. Por este motivo os alertas são prioritariamente sonoros. Quando estamos decididos num caminho e ouvimos um som diferente mudamos o ritmo da locomoção, podemos parar e até mudar de rumo.
Se a audição fosse mais explorada nos ambientes, teríamos experiências mais emocionais e fortes.
Como já foi mostrado na visão, e em todos os sentidos será igual, a exploração de sons e músicas de forma equivocada gerará problemas. Ambientes com ruídos constantes geram cansaço e irritação. Objetos que rangem, máquinas com barulhos, salas que não conseguimos entender a fala dos outros, e assim por diante. Realizamos inúmeras pesquisas em salas de aulas universitárias e identificamos a dificuldade de concentração e aprendizagem dos alunos e desconforto e irritação de professores, por projetos mal realizados que não previam a possibilidade de potencializar todos os sentidos.
Imagine uma sala com áudio e vídeo que não conseguimos acompanhar o filme, porque a luz incomoda, as cores vibram demais, ou não conseguimos entender as falas. Isto aconteceu muito com as salas de cinema até recentemente. Como a maioria dos filmes eram estrangeiros, a maioria das pessoas acompanhava o filme pela visão utilizando a legenda, e a audição era utilizada apenas para sons ou músicas. Quando começamos a produzir cinema nacional, as pessoas puderam acompanhar também a fala sem legenda, e aí perceberam a dificuldade de entender estas falas, ora por problemas nas gravações ora por problemas nas salas de projeção, mas queixaram-se do áudio.
Geralmente a maioria das pessoas é estimulada primeiro pela visão e depois pela audição, na seqüência ativamos outros dois sentidos que dependem muito da pessoa e do contexto, o olfato e o tato.
O olfatoativa uma parte do encéfalo atribuída à memória. Quando utilizamos o olfato estimulamos as lembranças e experiências já vividas, portanto quando utilizamos aromas em ambientes estamos potencializando a memória, mesmo a memória futura (a capacidade de memorização) sobre esses ambientes, ainda mais se a experiência for única e inovadora. Ambientes comerciais podem explorar aromas para rememoração da marca. Biologicamente aprendemos com os aromas e os odores a definir e descobrir coisas, desde parceiros, acasalamentos, amores, até o que deveríamos levar à boca. Em ambientes fechados o aroma ajuda a definir se podemos continuar nosso percurso, se podemos entrar neles, e depois de identificados a experiência ficará na nossa memória. Antes de descobrir qual o tipo de café estamos sentindo pelo aroma, lembraremos da casa da avó onde tivemos prazer em conhecê-lo.
Ao longo da história da cultura humana de produzir objetos, e concretizar idéias, foi o tatoque nos ajudou a obter resultados e destrezas. Concretizamos nossas idéias através do tato, principalmente das palmas das mãos e das plantas dos pés. Para sentir que concretizamos um negócio nos damos as mãos, para saber que estamos fazendo algo concreto precisamos sentir o pé no chão. Historicamente estas partes do corpo humano eram as que tinham menos pêlos, portanto mais sensíveis. Hoje todo nosso corpo se estende ao tato. O tato nos dá a sensação de pertencimento ao mundo físico e concreto.
Com as novas tecnologias e principalmente a digital estas sensações estão sendo potencializadas pelos aparelhos eletrônicos. Um bom exemplo é a realidade virtual e os games, que buscam acrescentar, além de efeitos visuais e sonoros, o tato, seja com controles que simulam tremores e impactos até luvas simulam o tato das mãos no ambiente digital.
Nos ambientes físicos a relação com os objetos se dá através do tato, e aqui alem do desenho, os materiais desempenham papel fundamental, pois eles transmitem sensações como temperaturas e texturas que podem nos aproximar ou afastar dos objetos. E independente do usuário algumas sensações virão das propriedades destes materiais, ou seja, os metais são frios, uns mais outros menos, mas são frios se comparados com madeiras ou tecidos. A escolha de muitos objetos como sofás e armários se dá visualmente, principalmente pelo usuário, os profissionais da área devem especificar e indicar produtos com acabamentos que correspondam não somente ao estímulo visual, mas aos outros e neste caso, especialmente ao tato, pois, na medida que, o usuário estabelece uma relação com o ambiente e os objetos através do tato, ele se sente concretamente no ambiente, e estabelece com os objetos uma relação afetiva de pertencimento.
Por último, mas não menos importante, o Paladar, que ativa o sabor. É através deste que reconhecemos que acumulamos valores para nossa vida. O paladar é estimulado antes pelos outros sentidos, e enquanto utilizamos o paladar todos os sentidos estão em ação. Por este motivo o resultado é saborque tem a ver com conhecimento pois tem origem na palavra saber. Para os gregos o saber era entendido em dois níveis um do conhecimento teórico, hoje muito ligado ao acadêmico, que foi chamado episteme, e outro que vinha da práxis da vida que foi denominado de Sophia ou sabedoria. Amor à sabedoria é filosofia (philos e sophia). Naturalmente desenvolvemos o conhecimento em busca de sabedoria.
Ambientes devem propiciar experiências de sabor e sabedoria. Espaços que estimulam a degustação ou preparos de alimentos devem ser pensados com a responsabilidade de quem lida com todos os sentidos.
O mundo contemporâneo nos obriga a uma reflexão profunda de ambientes multisensoriais. Imagine-se no transito parado de uma grande cidade, a visão determina o caminho, mas você não consegue se locomover, começa a ficar impaciente. Aí o barulho aumenta com buzinas e motores barulhentos, você começa a ficar irritado e não consegue tampar os ouvidos. Então a reação é se sentir sufocado, ai você abre os vidros, mas, o ar está poluído, cheira mal, começa a ter náuseas. Aí tenta engolir o que tiver na boca, a própria saliva, que em raiz deste processo de estímulo de sentidos trará um gosto ruim, talvez de ferro. A reação final você já conhece, Stress, pânico e desejo de não pertencer mais a isso.Sair e fugir, de tal forma que não temos condições de nos dedicar, como cidadãos a mudar esta situação.
Cada vez mais as marcas fortes que tentam sobreviver a este estado focando-se em ações multisensorias para conquistar atenção de consumidores, criando espaços conceituais e experimentais para colher resultados destes.
E cada vez mais mostras, feiras e eventos de arquitetura e design discutem estes temas na busca de soluções ou apenas de incentivar as pessoas á reflexão e a crítica deste tema.
Neste mês de setembro passado estive na Itália na feira Abitare de Verona, e na Bienal de Arquitetura de Veneza, cabe destacar algumas propostas.
Domestic Campus de Simone Micheli, The luxury of emotions, apresentou ambientes carregados de conteúdo e emoções nume reflexão sobre o presente e o futuro. Estabeleceu uma reflexão sobre a importância dos ambientes e aproximarem do coração do ser homem contemporâneo. Este percurso se estabeleceu através de sete ambientes que representavam os ambientes da casa metropolitana ( a sala, o banho, o quarto, a sala de refeições, a cozinha, sala de ginástica e um lounge). O interessante estava na apresentação dos ambientes como células isoladas. Com esta proposta foi possível compreender o ato de entrar no ambiente, na medida que para ir de um ambiente a outro era necessário sair ao exterior. Esta ação reforçou significativamente o efeito de entrar no interior de um ambiente, e não únicamente pela visão, mas por todos os sentidos, já que o aroma, a música e materiais mudavam em cada ambiente. Apesar de visualmente parecidas, as células eram idênticas pela aparência exterior, e muito similares internamente (praticamente brancas) a distinção entre eles as dava pela experiência sensorial.
O trabalho de Francesco Lucchese já apresentava este conceito no nome: cinco sentidos para um SPA. A idéia surgiu do desejo cada vez maior de das pessoas experimentarem novas qualidades de percepção, estas ambientadas em um SPA. O projeto apresentou a idéia de desconstrução da percepção sensorial com cinco experiências diferentes dedicadas a cada um dos sentidos.
Wellnes Feeling “Terme di Livigno” foi uma mostra com instalação de um grande projeto que está em obras que permitira ao visitante explorar ao máximo seus sentimentos.
E ainda da Abitare uma mostra de um hotel “ Under the Sea” a ser realizado no litoral do Adriático, a arquitetura concebida através de uma estratégia de branding: “ o espaço como lugar de comunicação, como terreno de debate entre empresários iluminados, creativos visionários e um público com desejos de novas sensações” afirma o Arquiteto Maurizio Favetta autor do projeto.
A Bienal de Veneza apresentou no Arsenale - que é um espaço separado dos Giardini onde tradicionalmente ocorrem as bienais - inúmeros ambientes focados nesta temática, já na entrada fomos desafiados a pensar a arquitetura além do espaço construído e através dela compreender o mundo ao nosso redor. Hall Of Fragments deDavid Rockwell com Casey Jones e Reed Kroloff,estimulava a percepção através de projeções de fragmentos em telas estendias, com reprodução de áudio, tudo mediado por imagens de filmes que estavam pretos em oitenta monitores no piso. Esta inter-realação dos filmes e a interação dos visitantes determinada pelo número e velocidade que passavam, proporcionava imagens novas que eram projetadas nas telas tensionadas.
Outro ambiente tratou da pouca percepção que temos do espaço urbano, SpaceFighter: A Evolução da Cidade é um game da MVRDV, onde a interatividade se dá através de controles similares ao do Wii. Com este jogo pretende-se que jovens aprendam a conhecer sua cidade. Já que não a percebem fisicamente, que isto ocorra então no ambiente virtual. Foi um ambicioso projeto destinado a criar um novo instrumento - não só para os urbanistas, mas também para as pessoas envolvidas no projeto de gestão empresarial e as pessoas fora dessa prática. Uma espécie de simulador educacional.
De forma geral a maioria dos ambientes tratou de apresentar estímulos sensoriais para perceber o espaço ao nosso redor, propondo diversas temáticas, como perceber a mudança de temperatura em ambientes de passagem, perceber imagens holográficas em ambientes decorados, perceber que a sociedade está se tornando de moradores individuais (singles), perceber que uma única lámina pode se tornar piso, teto e parede, perceber que a mobilidade pode nos levar a viver em ambientes móveis, que a tecnologia digital está determinando os espaços, e por aí vai.
Muito mais importante que as propostas ou os resultados destas é perceber que este momento contemporâneo nos apresenta como necessidade a reflexão sobre a condição humana de viver em ambientes sociais e aí faz-se necessário revisitar e notar a importância dos sentidos na cultura humana. E fazer isto não é nenhum esforço, pois nos conduz ao prazer.
Comece escolhendo um bom vinho, e tomando uma taça por dia.
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