De 11 a 18 de fevereiro de 1922, ocorreu, na cidade de São Paulo, o que foi nomeado como a Semana de Arte Moderna – a manifestação de diversos intelectuais paulistas e cariocas sobre aquilo que “havia de mais rigorosamente intelectual no mundo das artes”1, da escultura, pintura, literatura, música e arquitetura. ( Apesar de ter tido apenas 3 dias de espetáculos ficou conhecida como a Semana moderna).
Nesse grupo de intelectuais, destacavam-se grandes nomes, como a pintora Anita Malfatti, os escritores Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, o escultor Victor Brecheret, o arquiteto espanhol Antonio Garcia Moya e o suíço John Graz, apresentado na Semana como pintor, mas que também atuaria bastante com o design da forma mais completa que conhecemos, desenhando desde maçanetas, mobiliário e luminárias a interiores, assim ele foi o representante de nosso segmento.
Logicamente que a turbulência estética mundial – principalmente a europeia, ao abandonar a linguagem que vigorava no século XIX – e os movimentos de vanguarda, como o cubismo, o expressionismo e o futurismo, influenciaram esses intelectuais, já que a maioria tinha educação europeia e era recém-chegada de lá. Havia um grande interesse na liberdade de criar e na experimentação, em romper com o que representava o passado. Isso passou a ser esse criativo moderno.
O que nos motiva neste artigo está, porém, além disso. Trata-se da busca por uma linguagem brasileira, apresentada claramente no Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, que pregou a “digestão” dos valores importados e a criação de uma identidade brasileira, uma brasilidade marcada pelo senso de humor e ironia, e declarou “TUPI OR NOT TUPI”.
O Brasil daquele início de século XX começa a apresentar potencialidades para o desenvolvimento de algo realmente novo, criativo e com uma nova linguagem brasileira. Algo que poderemos chamar de brasilidade, afinal. Nessa ideia, ainda se entende um rompimento com os valores estéticos predominantes, importados principalmente da Europa: semente necessária para o entendimento dos próximos passos que iremos abordar – que, se fosse focado nas artes, seria um longo artigo, mas o foco aqui é Arquitetura e Design.
Logo na sequência, chega ao Brasil o arquiteto russo Gregori Warchavchik – natural de Odessa, na época parte da Rússia e hoje Ucrânia –, que trazia consigo as ideias de Walter Gropius, Mies van der Rohe e Le Corbusier. Apesar de o nosso País não ter, então, conhecimentos claros sobre os papéis do arquiteto e do engenheiro como já existiam em outros países, foi esse clima de modernismo que motivou Warchavchik a aplicar esses conceitos.
Dois anos depois de sua chegada, Warchavchik escreve um artigo intitulado “Futurismo? Acerca da Arquitetura Moderna”, considerado o manifesto da arquitetura modernista no Brasil. O artigo expõe algumas ideias do arquiteto sobre o novo padrão de estética arquitetônica que estava florescendo, demonstrando a necessidade de as edificações acompanharem a evolução tecnológica, modernizando-se: não apenas com a utilização de técnicas construtivas, mas principalmente em relação à estética da construção, estética esta entendida de forma mais “limpa”, desprovida de ornamentos inúteis que não eram coerentes com o novo estilo de vida moderno brasileiro. Dessa forma, assim como os modernistas de 22, Warchavchik defendeu a arquitetura livre de valores do passado, mas atada aos valores novos da modernidade.
Assim, no seu primeiro exercício, constrói sua casa em 1927, na Rua Santa Cruz, no bairro de Vila Mariana, em São Paulo. A obra foi concluída em 1928 e é considerada a primeira casa modernista2 do País, ( e hoje segundo Framptom a primeira do mundo), conseguindo refletir essa que seria a “essência” nacional. Logicamente que a conclusão da obra foi um choque para a sociedade, acostumada com palacetes estilo francês.
No seu exterior, a casa contava com um projeto paisagístico moderno de autoria de sua esposa, Mina Klabin Warchavchik. Como era de se esperar, o casal levou o conceito de modernidade aos mínimos detalhes da habitação, e, dessa forma, foi necessário desenhar todo o interior da casa, os móveis, a iluminação. A decoração precisou ser toda desenhada pelo arquiteto, dando início aqui ao entendimento de um Design brasileiro, feito no Brasil com inovação e apoiado num discurso claro (apresentado por meio de um manifesto – coisa comum à época), de acompanhar a evolução tecnológica.
1. Gonçalves, Marcos Augusto. 1922, a Semana que Não Terminou. São Paulo, Companhia das Letras, 2012.
2. A casa, hoje pertencente ao Estado de São Paulo, foi tombada em 1980 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado e reconhecida como Patrimônio Histórico pelo IPHAN, tornando-se um parque.
artigo originalmente publicado na MixDesign fev22
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