Temos ouvido falar mais sobre brasilidade, um tema que
tenho tratado bastante, há quase trinta anos.
Logo após a queda do muro de Berlim, e na consequente
formação da Comunidade Europeia, foram inúmeros debates em encontros
internacionais dos quais participei, onde a discussão principal era a
globalização versus o regional. Em
todos seus aspectos, políticos, econômicos, sociais e culturais.
E de fato rapidamente sentimos a massificação de produtos
e serviços, usos e costumes se unificando no nosso “globo terrestre”. E, na
mesma velocidade, isso ficou chato. Da mesma forma que era chato ir para a
Espanha e voltar sempre com o mesmo touro como souvenir, ou ir ao México e voltar sempre com um sombrero, ficou chato ir para qualquer
lugar do mundo e encontrar o mesmo fast-food
americano e todas as pessoas vestidas iguais.
Então nesses trinta anos apreendemos que havia algo nas
culturas locais que era necessário preservar. Conservar é quando mantemos algo
do jeito que está após a manipulação (como alimentos em um vidro de conserva).
Já, a palavra preservar é utilizada no sentido de proteger e guardar.
Assim rapidamente começamos a nos questionar o que
deveria ser preservado da nossa cultura, aquilo que nos é valioso e tem a ver
com nossas identidades, e consequentemente começamos a questionar: o que é brasilidade? Apesar do termo
remeter ao Brasil, e assim parecer que se trata daquilo que surge após 1822, a
brasilidade tem mais a ver com a origem do próprio termo brasil, que vem de
brasa, madeira em brasa, que dá origem ao nome pau brasil, já que em Tupi era
Ibirapitanga: árvore vermelha. Ou seja, é a interpretação do europeu que chega
aqui e se encanta com algo que já existia e dá um novo nome.
Umas das formas de entender a brasilidade vem desses encontros que formaram nossa sociedade.
É comum ouvir e aceitar que somos uma sociedade formada pela intensa miscigenação,
essa diversidade de encontros foi formando algo novo, e esses novos
modificaram o existente mas preservaram
características anteriores e demos novos nomes: o Caboclo do encontro do branco
e índio, o Mulato do encontro do branco
e negro, o Cafuzo do encontro do índio e negro, e os Nikkeis que com outros se
encontraram, e assim por diante temos tantos outros exemplos.
Sincretismo cultural vem moldando a brasilidade. A
palavra "sincretismo" se originou a partir do grego sygkretismós, que significa "reunião
das ilhas de Creta contra um adversário em comum”, a ideia de se juntar para
proteger.
O modernismo,
que buscava o novo, no Brasil também se caracteriza por encontros, de jovens na
semana de 22 (que em breve comemorará 100 anos), dos estrangeiros que aqui
encontraram solo fértil para suas criações fazendo algo diferente do que faziam
em seus países de origem. Como Gregori Warchavchik e a primeira casa
modernista, Pietro M. Bardi e o Museu de Arte de São Paulo, Lina Bo Bardi e
todas suas obras espalhadas pelo pais, Karl Heinz Bergmiller e o design
industrial, Salszupin e o mobiliário, e tantos outros. Esteve também no cinema
novo de Glauber Rocha que traz o sertão para a cidade, na Bossa Nova de Tom que
leva a natureza para a música, no teatro inovador da Oficina de Zé Celso C.
Martinez que descontrói a plateia.
Mais recentemente temos os encontros de designers com
artesãos gerando novos produtos e objetos a partir da preservação de saberes e
principalmente do fazer à mão. A nossa cultura tem como resultado estético a
ação do homem, e principalmente da mão. Brasilidade carrega a marca do feito à mão também, e à várias mãos,
onde a interferência de cada uma cria o novo, inusitado, o inesperado. Isso
estava na intenção, por exemplo, dos murais de Athos Bulcão onde o assentador
de azulejos ditava o ritmo e a ordem e o desenho da peça foi desenvolvida para
este fim.
No design de
interiores hoje encontramos a brasilidade de várias maneiras, por exemplo
nos usos que damos aos ambientes. Mas gostaria de destacar a crescente
valorização dos objetos brasileiros na decoração. Objetos da cultura popular
até pouco tempo desvalorizados, e muitas vezes guardados, começam a ter
destaque nos ambientes, acompanhando peças de arte ou mobiliário importado. O
que é muito bom. Desta vez o objeto brasileiro de encontro com o importado.
Este encontro do antigo e do novo, do artesanal com o industrial e o objeto da
cultura popular e regional junto ao global e importado vem caracterizando o
design de interiores no Brasil, e assim ajudando a formar o conceito de
brasilidade.
No entanto é bom lembrar que original significa que conhecer a origem. Então muito cuidado na
hora de escolher e comprar esses objetos, consulte a origem, conheça de onde
vem, como foi feito, como é a comunidade que trabalha com essa técnica, por que
utiliza determinada técnica. E conheça o significado dos símbolos utilizados, a
diversidades de culturas existentes em nosso país desenvolveu inúmeras
iconografias que por muitas vezes é desconhecida, mas é importante que o
especificador, seja o profissional de design de interiores ou o vendedor saiba
lhe orientar. Perceba como facilmente você identifica a diferença entre um
ideograma chinês de um hieróglifo egípcio, mas desconhece a diferença entre um
desenho Marajoara ou do Xingú. Ou, como rapidamente percebe a diferença entre
um vidro de Murano de um cristal Tcheco, mas não consegue distinguir uma
cerâmica de Cascavel no Ceará de uma de Santa Catarina, ou do bordado Filé de
Alagoas do labirinto do Ceará.
Nesse momento que temos mais oportunidade de encontrar
esses objetos, aproveite para visitar lojas e conhecer um pouco mais da nossa
cultura. Não duvido que ficará admirado com a riqueza que tem para oferecer.
Publicado na Revista Mix Decor 04/19
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