quinta-feira, 18 de abril de 2019

Brasilidade: O novo que surge de encontros.



Temos ouvido falar mais sobre brasilidade, um tema que tenho tratado bastante, há quase trinta anos.

Logo após a queda do muro de Berlim, e na consequente formação da Comunidade Europeia, foram inúmeros debates em encontros internacionais dos quais participei, onde a discussão principal era a globalização versus o regional. Em todos seus aspectos, políticos, econômicos, sociais e culturais.

E de fato rapidamente sentimos a massificação de produtos e serviços, usos e costumes se unificando no nosso “globo terrestre”. E, na mesma velocidade, isso ficou chato. Da mesma forma que era chato ir para a Espanha e voltar sempre com o mesmo touro como souvenir, ou ir ao México e voltar sempre com um sombrero, ficou chato ir para qualquer lugar do mundo e encontrar o mesmo fast-food americano e todas as pessoas vestidas iguais.

Então nesses trinta anos apreendemos que havia algo nas culturas locais que era necessário preservar. Conservar é quando mantemos algo do jeito que está após a manipulação (como alimentos em um vidro de conserva). Já, a palavra preservar é utilizada no sentido de proteger e guardar.

Assim rapidamente começamos a nos questionar o que deveria ser preservado da nossa cultura, aquilo que nos é valioso e tem a ver com nossas identidades, e consequentemente começamos a questionar: o que é brasilidade? Apesar do termo remeter ao Brasil, e assim parecer que se trata daquilo que surge após 1822, a brasilidade tem mais a ver com a origem do próprio termo brasil, que vem de brasa, madeira em brasa, que dá origem ao nome pau brasil, já que em Tupi era Ibirapitanga: árvore vermelha. Ou seja, é a interpretação do europeu que chega aqui e se encanta com algo que já existia e dá um novo nome.

Umas das formas de entender a brasilidade vem desses encontros que formaram nossa sociedade. É comum ouvir e aceitar que somos uma sociedade formada pela intensa miscigenação, essa diversidade de encontros foi formando algo novo, e esses novos modificaram  o existente mas preservaram características anteriores e demos novos nomes: o Caboclo do encontro do branco e índio, o  Mulato do encontro do branco e negro, o Cafuzo do encontro do índio e negro, e os Nikkeis que com outros se encontraram, e assim por diante temos tantos outros exemplos.

Sincretismo cultural vem moldando a brasilidade. A palavra "sincretismo" se originou a partir do grego sygkretismós, que significa "reunião das ilhas de Creta contra um adversário em comum”, a ideia de se juntar para proteger.

O modernismo, que buscava o novo, no Brasil também se caracteriza por encontros, de jovens na semana de 22 (que em breve comemorará 100 anos), dos estrangeiros que aqui encontraram solo fértil para suas criações fazendo algo diferente do que faziam em seus países de origem. Como Gregori Warchavchik e a primeira casa modernista, Pietro M. Bardi e o Museu de Arte de São Paulo, Lina Bo Bardi e todas suas obras espalhadas pelo pais, Karl Heinz Bergmiller e o design industrial, Salszupin e o mobiliário, e tantos outros. Esteve também no cinema novo de Glauber Rocha que traz o sertão para a cidade, na Bossa Nova de Tom que leva a natureza para a música, no teatro inovador da Oficina de Zé Celso C. Martinez que descontrói a plateia.

Mais recentemente temos os encontros de designers com artesãos gerando novos produtos e objetos a partir da preservação de saberes e principalmente do fazer à mão. A nossa cultura tem como resultado estético a ação do homem, e principalmente da mão. Brasilidade carrega a marca do feito à mão também, e à várias mãos, onde a interferência de cada uma cria o novo, inusitado, o inesperado. Isso estava na intenção, por exemplo, dos murais de Athos Bulcão onde o assentador de azulejos ditava o ritmo e a ordem e o desenho da peça foi desenvolvida para este fim.

No design de interiores hoje encontramos a brasilidade de várias maneiras, por exemplo nos usos que damos aos ambientes. Mas gostaria de destacar a crescente valorização dos objetos brasileiros na decoração. Objetos da cultura popular até pouco tempo desvalorizados, e muitas vezes guardados, começam a ter destaque nos ambientes, acompanhando peças de arte ou mobiliário importado. O que é muito bom. Desta vez o objeto brasileiro de encontro com o importado. Este encontro do antigo e do novo, do artesanal com o industrial e o objeto da cultura popular e regional junto ao global e importado vem caracterizando o design de interiores no Brasil, e assim ajudando a formar o conceito de brasilidade.



No entanto é bom lembrar que original significa que conhecer a origem. Então muito cuidado na hora de escolher e comprar esses objetos, consulte a origem, conheça de onde vem, como foi feito, como é a comunidade que trabalha com essa técnica, por que utiliza determinada técnica. E conheça o significado dos símbolos utilizados, a diversidades de culturas existentes em nosso país desenvolveu inúmeras iconografias que por muitas vezes é desconhecida, mas é importante que o especificador, seja o profissional de design de interiores ou o vendedor saiba lhe orientar. Perceba como facilmente você identifica a diferença entre um ideograma chinês de um hieróglifo egípcio, mas desconhece a diferença entre um desenho Marajoara ou do Xingú. Ou, como rapidamente percebe a diferença entre um vidro de Murano de um cristal Tcheco, mas não consegue distinguir uma cerâmica de Cascavel no Ceará de uma de Santa Catarina, ou do bordado Filé de Alagoas do labirinto do Ceará.

Nesse momento que temos mais oportunidade de encontrar esses objetos, aproveite para visitar lojas e conhecer um pouco mais da nossa cultura. Não duvido que ficará admirado com a riqueza que tem para oferecer.


Publicado na Revista Mix Decor 04/19