segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Economia Criativa




entrevista realizada por AT Revista agosto 2011
ECONOMIA CRIATIVA
Essa é a palavra de ordem do mercado. 
Alvaro Guillermo, especialista em Ciências do Consumo, explica estratégias que devem ser implantas pelas cidades e comerciantes
Natural de Montevidéu, Alvaro veio do Uruguai para o Brasil quando ainda era pequeno. Aqui, formou-se arquiteto, designer e mestre em Arte, Educação e História da Cultura. Como tempo, também acabou por se especializar em Consumo do Design. Diretor da agência Mais Grupo e autor dos livros Design: Do Virtual ao Digital e Branding: Design e Estratégias de Marca, o uruguaio de 51 anos, que vive em São Paulo, tem tocado sua carreira basicamente no trabalho com as Ciências do Consumo. Basta ver que, além de atuar como pesquisador e prestar consultoria, é professor de cursos de pós-graduação sobre o tema na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM), na Universidade de Buenos Aires e na Universidade Nacional de Mendoza, ambas na Argentina. No bate-papo, ele dá uma aula sobre Ciências do Consumo e a economia criativa, que gira em torno de três aspectos: o design, a inovação e a cultura. Alvaro também comenta seu trabalho em Santos, com a criação do Club Design Litoral Paulista.
CICLO
Como estuda o consumo?
Ele é uma ciência recente. Só ver que ainda não contamos com a formação superior nessa área. Sou professor do curso de MBA da ESPM chamado Ciências do Consumo. Então, hoje, temos profissionais graduados em diferentes segmentos que se especializaram nesse tipo de trabalho. Tamanha ação multidisciplinar enriquece o ciclo inteiro do consumo.
Em que sentido?
Ao analisarmos o ciclo, estudamos qual a relação que existe entre os objetos e as pessoas. Vou te dar um exemplo na minha prioridade, que é o design de interiores. Quando uma pessoa assiste à Tv na sala de casa — sentada em sofá x e bebendo algo em copo Y —,ali há muitos aspectos importantes em questão, que fizeram com que aquela situação acontecesse exatamente daquela maneira. Entre os fatores que contribuíram para esse momento estão os arquitetos, decoradores, jornalistas, formadores de opinião. Enfim, o pesquisador do consumo avalia todos os determinantes para que a população tome a decisão de comprar certo produto.
Estudiosos como você elaboram estratégias para melhorar a dinâmica do consumo?
Sim, para aperfeiçoar o ciclo inteiro. Como minha ação é mais especificamente no que se refere ao design, foco no ser humano, não no marketing e na venda. Crio estratégias para que o momento final de utilização do produto proporcione melhor qualidade de vida, para que todas as partes envolvidas no processo do consumo fiquem satisfeitas. O objetivo não é vender mais, nem empurrar mercadorias ou entulhar os ambientes. A proposta é que a pessoa se sinta realmente melhor. E muitas vezes. A gente não sabe direito o que deseja.
INTERNET
Por quê?
Gosto de lembrar uma frase do Henry Ford: “Se fosse fazer o que queriam, teria criado cavalos que correm mais”. A ânsia do povo era apenas se locomover de jeito mais rápido. Portanto, o estudioso do consumo precisa entender vontades como essa, para descobrir o que vai satisfazer as pessoas, o que facilita uma compra, se o atendimento e a entrega devem melhorar etc. Há produtos que, por exemplo, não adianta vender pela internet.
Por exemplo?
Dependendo do item, o consumidor prefere estar por perto para avaliá-lo, sentir o seu cheiro, manuseá-lo etc. O comércio dos artigos de decoração funciona bastante pelas sensações. Se você quer falir uma loja de móvel, coloque a placa de proibido sentar no sofá ou mexer em qualquer produto. As pessoas acessam os sites desses estabelecimentos mais para definir quais vão visitar, para não terem surpresas.


E para outros tipos de produtos? 

Com as mercadorias que são sempre iguais em qualquer lugar que a gente vá, o internauta quer a facilidade da compra on-line. Ele não deseja conviver previamente com o produto, nem ir até a loja para se decidir, porque já conhece o cheiro do perfume, a música, o aparelho eletrônico... Quanto maior a garantia do fabricante, mais o consumidor se sente à vontade para adquirir o item pela web.
QUALIDADE
Mas as estratégias das ciências do consumo acabam por melhorar as vendas, certo?
Sim. O grande diferencial do momento que passamos na sociedade contemporânea é que esse tipo de estudo aperfeiçoa o ato da venda, não aumenta a sua quantidade. Nós lidamos com o consumo e não mais com o consumismo — que é ruim e marcou muito o período a partir dos anos 60. Antes, a gente comprava qualquer coisa sem questionar, sem precisar. Agora, com base nas ciências do consumo, você pode adquirir menos mercadorias, porém usufruir de melhor qualidade.
É isso que se busca?
Exatamente. As novas estratégias de mercado fazem com que as vendas melhorem, pois os comerciantes não vão investir em produtos que não terão saída. Os ganhos com os objetos assumem patamares diferentes. As lojas também começam a necessitar de ambientes e sistemas de atendimento e entrega revisados.
Se o número de vendas deixa de ser prioridade, como fica a questão do lucro?
Ele continua existindo e, às vezes, é maior até do que em situações de consumismo, porque tudo depende do valor agregado ao produto. Repare o quanto custa uma Havaianas na Europa: três vezes o preço daqui e ainda em euros. Isso é incrivel mas as pessoas pagam caro pelo fato de o chinelo representar o estilo de vida despojado do brasileiro. Logo, a empresa produz menos e mantém o lucro. E os consumidores usufruem melhor daquilo. Trata-se de nova visão de comércio, de valores.
A pesquisa do consumo serve para desenvolvimento de produtos?
Não só para criar uma mercadoria como para alterar as já existentes. Duas áreas são extremamente importantes no processo: a antropologia do design e a etnografia. Tive experiência significativa quando minha agência  redesenhou o escorredor de pratos que um cliente comercializava. Como os responsáveis pelo projeto e pela distribuição do produto eram homens que nunca lavaram louça, minha equipe notou que ele apresentava muitas falhas. Graças ao estudo, a gente arrumou a mercadoria.
CRIATIVIDADE
É interessante o que comentou sobre as novas táticas de consumo permitirem que todo mundo saia feliz: do produtor e seus parceiros até o cliente.
Alguns lugares se tornaram referências nisso, não importa o segmento abordado. São as chamadas cidades criativas, que encontraram fórmulas para que o restaurante, o hotel, o bar da esquina, o mercadinho, todos os comerciantes sobrevivam às ações das grandes corporações. Caso contrário, esses grupos tomariam conta do mercado inteiro. 
O estudo do consumo também foi incorporado pelas pequenas e médias empresas?
Principalmente aqui no brasil. As pesquisas surgiram em função dos pequenos negócios. Como alguém vai concorrer com o Walmart, que adquire milhares de produtos a preço baixo? As demais lojas conseguem ter lugar no instante em que encontram alternativas para isso. Mudando de setor, conheço pequenos restaurantes que sobrevivem melhor do que se fossem de fast-food.
Pode citar cidades criativas?
Existem diversas. Toronto, que fica coberta de neve por quatro meses, montou área subterrânea justamente para poder resistir aos impactos da estação com ritmo de vida normal, com extrema qualidade. Cidades da Noruega e da Suécia também souberam driblar uma série de dificuldades. Outro caso é o de Milão, que promove para o planeta o ponto de vista da criatividade: design, moda, arte e culinária. O mundo inteiro viaja para lá para conferir as novidades. Se você disser que o produto foi feito em Milão, ele tem valor agregado.
"As novas estratégias fazem com que as vendas melhorem, pois os comerciantes não vão investir em produtos que não terão saída"
Milão soube criar essa imagem.
Verdade. As cidades da Suécia e da Noruega se adaptaram naturalmente às adversidades. Já Toronto foi um dos primeiros lugares que se enquadraram nas ações que ocorreram após o início do estudo metódico do consumo. O caso de Milão também foi totalmente estratégico. Tanto que abriga um dos maiores parques para feiras do mundo — São Paulo está até para montar espaço similar. Antes do planejamento na década de 90, Milão era bem desorganizada, uma loucura só. Ela se transformou para resolver isso. 
Quais são outras cidades que servem de referência?
Seoul foi completamente reformulada, repensada para se tornar capital mundial das cidades criativas, título que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) concede de tempo em tempo. Antigamente, esse título se chamava capital mundial do design. Depois, começou-se a ver que o design está presente na moda, no cinema, em todas as atividades relacionadas com a criatividade. Daí o motivo de, hoje, falarmos em cidades criativas.
“Quanto ao Brasil o povo daqui é criativo por natureza"
VALOR
A América Latina já recebeu esse titulo?
A única cidade foi Buenos Aires. Para enfrentar a crise de seis, sete anos atrás, ela fez do universo do design uma das suas principais atrações. Quanto ao Brasil, o povo daqui é criativo por natureza: desde o cara da barraca de praia até o da loja chique do shopping. Mas a gente costuma achar que isso não gera valor agregado. Se nós pensamos que tudo que vem de Milão é melhor, a razáo está no valor agregado àquela cidade. Afinal, outros locais da Itália também têm design. O que acontece de diferente é que Milão construiu e vendeu a sua imagem.
“Crio estratégias para que o momento final de utilização do produto proporcione melhor qualidade de vida"
O que mais envolve o título de cidade criativa?
Além do design, tem a ver com inovação e cultura. Para você entender: no passado, existia a sociedade industrial, em que o valor da economia se baseava na quantidade de itens que as fábricas produzam. Agora, no mundo contemporâneo — onde dá para mandar fabricar nos países asiáticos etc. —, o que gera valor é a ideia, o que se cria, o que se pensa. Fala-se em economia criativa.
Pode dar exemplo prático?
O Brasil é o maior produtor de aço, só que nós pagamos caro quando consumimos mercadoria de fora feita a partir desse material. O garfo de aço importado. Por exemplo, tem valor agregado pelo seu desenho diferente. Dito isso, a moda brasileira é bastante criativa, movimenta em torno de 15% da economia do pais. Bons exemplos são os nossos biquínis, que têm valor a mais no exterior, porque os estilistas daqui sabem como desenhá-los. Ou seja: o design e a inovação estão aliados à cultura, que, no fundo, não deixa de ser a história por trás do produto.
Dá para citar uma cidade que pode explodir a qualquer hora por sua criatividade?
Londres. A sua reinvençào para abrigar as Olimpíadas não está tanto na área esportiva e, sim, na economia criativa. Enquanto isso, há um, dois anos, Amsterdã aparecia entre as principais cidades criativas, pois se remodelou em função de evento da sua família real. Vários lugares têm se reformulado o tempo inteiro com inovações que movimentam a economia. A vida de uma cidade depende bem mais das pessoas que pensam criativamente do que da venda de produtos. Barcelona é modelo até hoje, por causa da sua reinvenção para as Olimpíadas.
O que ela fez de diferente?
Encaminhou todo o lixo para dutos subterrâneos, de modo que os sacos sumiram das ruas. Em 1992, isso foi inovador. Os espanhóis pensaram em como manter a cidade limpa. Sem contar o valor que ganharam os restaurantes típicos e a vida social.
NACIONAL
Na sua opinião, quais são os ícones da economia criativa no Brasil?
A cultura multifacetada do País vai permitir que existam diversos polos, cada um com características próprias, distintas. Mas os expoentes atuais são a cidade e o estado de São Paulo. No entanto, as pessoas não conseguem explorar toda a criatividade disponível na capital. Apenas em termos de peças e shows, há tantas opções que a gente sempre vai perder algo.
É muita coisa ocorrendo.
Ainda devemos levar em consideração os reflexos do trânsito, da criminalidade, da poluição... Em um lugar como Santos, dá para tentar equilibrar a relação entre o habitante e a oferta, igual acontece em locais menores do que São Paulo, como Buenos Aires e Milão. Vale acrescentar que o roteiro das cidades criativas atrai bastante os turistas.
SANTOS


Você tem algum projeto aqui na Cidade?
Sim. Para estimular o potencial de Santos, a minha agência ajudou a criar o Club Design Litoral Paulista, grupo de mais de 30  lojas que oferecem produtos de arquitetura e construção. O primeiro trabalho foi no ano passado: um estudo sobre a demanda do setor. Percebemos que o crescimento imobiliário exige nova postura. Como vários prédios serão entregues em dois, três anos, teremos um ciclo econômico que vai movimentar o segmento. Portanto, começamos a instruir os lojistas, para entenderem as motivações dos arquitetos, decoradores e, assim, disporem de mercadorias que atendam suas reais necessidades.
Quais as etapas dessa conscientização?
Existe, inclusive, um software para acompanhar as compras dos profissionais do design. Os lojistas devem compreender que, às vezes, não adianta trazer para Santos um armário planejado de São Paulo, pois o móvel pode mofar aqui. A orientação do arquiteto ou do decorador é fundamental para evitar inconvenientes. E como a maioria dos consumidores não percebe a importância de tais profissionais, a próxima etapa do nosso trabalho é mostrar isso para as pessoas. Pretendemos atingir nível de conhecimento que melhore o cenário em dois anos.

Um comentário:

  1. Entrevista incrível! O Álvaro tem uma belíssima visão do consumo.
    O consumo ideal visa noa ajudar a maximizarmos o aproveitamento das nossas experiências, sejam elas sensitivas, emocionais, intelectuais etc. O consumo do desperdício não faz bem ao varejo pois, mais cedo ou mais tarde, o consumidor percebe que fez uma compra inútil e a associa a marca.

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